terça-feira, 31 de março de 2009

Drosophyllum lusitanicum (L.) Link, uma planta carnívora


Pormenor da folha de Drosophyllum lusitanicum (Droseraceae) [foto P. Arsénio]


O grupo das 'plantas carnívoras' sempre me fascinou, dado que o mais comum é ver um animal a alimentar-se de plantas e não o contrário. Embora os insectos sejam as suas principais vitimas (daí que a designação de 'plantas insectívoras' também seja correntemente utilizada para classificar este grupo de plantas), estas conseguem capturar e digerir diversos tipos de invertebrados e em ambientes tropicais podem mesmo predar pequenos anfíbios e até micromamíferos. Tal característica constitui uma forma suplementar de obtenção de nutrientes (como o fósforo e o azoto), dado que as plantas carnívoras ocorrem tipicamente em ambientes pobres em nutrientes como sejam turfeiras ou prados inundados (em geral por águas oligotróficas).

Mariposa capturada por Drosophyllum lusitanicum (Droseraceae) [foto P. Arsénio]

Em Portugal ocorrem de forma espontânea plantas carnívoras dos géneros Drosera e Drosophyllum (Droseraceae), Utricularia e Pinguicula (Lentibulariaceae).
Ultimamente tenho andado em trabalho de campo na área do litoral alentejano e sempre que passo nas proximidades da Serra de São Luís (Cercal) não resisto a fazer um pequeno desvio para fazer mais umas fotografias desta planta de aspecto tão exótico, que por ser a única que ocorre em terreno enxuto (ao contrário dos restantes géneros, que preferem os terrenos mais 'alagadiços') me permite passar algum tempo estendido no chão, fazendo mais uma série de fotografias macro.

Moscas capturadas por Drosophyllum lusitanicum (Droseraceae) [foto P. Arsénio]

segunda-feira, 30 de março de 2009

Flores de salgueiro

Os salgueiros, i.e. as plantas do género Salix (fam. Salicaceae), têm indivíduos masculinos e femininos ... são dióicas, como nós.
As flores dos salgueiros estão organizadas inflorescências muito densas, necessariamente unissexuais, que levam o nome de amentos. Este tipo de inflorescência é muito frequente em árvores polinizadas pelo vento (anemófilas). Os amentos das Salicáceas são rígidos, em contrapartida, os seus ramos são muito flexíveis. As árvores de ramos rígidos, pelo contrário, geralmente possuem amentos mais flexíveis (e.g. Quercus). Ao serem agitados pelo vento os salgueiros-macho carregam os filetes de ar com pólen; as flores femininas exploram as massas de ar em busca de pólen. As flores são orgãos energeticamente muito caros. Por essa razão, as flores anemófilas são, regra geral, simples, despojadas, energeticamente baratas.
A floração dos salgueiros na Terra Fria está a acabar. Os amentilhos masculinos pronto tombarão no solo. As flores femininas preparam-se para se transformar em fruto e produzir sementes. É sempre assim.

Amento masculino de Salix atrocinerea (Salicaceae) «borrazeira-negra» (foto C.Aguiar)

Amento feminino de Salix atrocinerea (Salicaceae) «borrazeira-negra» (foto C.Aguiar)

sexta-feira, 27 de março de 2009

Ophrys bombyliflora Link. (Orchidaceae)


[J.Capelo, 2009, foto de telemóvel. A espantosa profundidade de campo, tipo 'pinhole' é muito boa para estas brincadeiras].


Só mais uma para a biodiversidade urbana agraciando com esta órquídea o novel Instituto Nacional de Recursos Biológicos (instituto público). Se eu em eu tal acreditasse, diria uma graça da providência. Notar os pauzinhos que a protegem. Na ausência de políticas e estratégias de investigação consistentes para a área da conservação da biodiversidade, vamos-nos enternecendo com estas coisas que surgem no nosso relvado.

quinta-feira, 26 de março de 2009

Cereais de outros tempos

Recentemente, contaram-me que o Fagopyrum esculentum «trigo-sarraceno» ainda era cultivado nos anos 50 no concelho de Vinhais. Certamente, também o seria noutros concelhos nordestinos. O F. esculentum perdeu-se porque tem várias desvantagens: produz pouco, o teor em farelo é muito alto e a maturação dos frutos dá-se de forma irregular. Depois é difícil de mecanizar. Actualmente, diz-se que poderá ser interessante cultivá-lo, por exemplo na vizinhança de pomares, para atrair insectos auxilares. Vai para seis anos encontrei uma pequena população assilvestrada de Fagopyrum esculentum na Ilha de S. Jorge.


Fagopyrum esculentum (Polygonaceae) [foto C.Aguiar]

A Setaria italica «milho-paínço» é citada pelos botânicos dos finais do séc. XIX, início do séc. XX. Parece que a sua memória se perdeu em Trás-os-Montes.


Setaria italica (Poaceae) [foto C.Aguiar]

quarta-feira, 25 de março de 2009

Gagea pratensis (Liliaceae)


Neste último fim de semana dei uma voltinha nas rochas ultrabásicas nordestinas. Reencontrei a Gagea pratensis. Esta espécie é, sem dúvida, a planta mais rara do género em Portugal. Tem a particularidade de, no nosso país, ser exclusiva dos afloramentos ultrabásicos do maciço de Bragança-Vinhais. Como acontece com as restantes espécies indígenas do género gosta de solos muito delgados, com cascalho grosseiro à superfície e um substrato rochoso bem fissurado. As comunidades com Gagea, Ornithogalum, Poa bulbosa, Scleranthus, Sedum, etc. estão todas por estudar. Um bom tema para quem se quiser descrever novas comunidades de plantas.

Gagea pratensis (Liliaceae) [foto C. Aguiar]

terça-feira, 24 de março de 2009

Plantas cultivadas raras ou extintas no NE de Portugal

Para um trabalho que tenho em mãos, fiz um apanhado das plantas cultivadas de interesse agrícola extintas, nos últimos cem anos, ou em franca regressão no NE de Portugal. São elas: aveia-negra (Avena strigosa), aveião (A. sativa subsp. byzantina), cânhamo (Cannabis sativa var. sativa), garroba (Vicia articulata), linho (Linum usitantissimum), mastruço-ordinário (Lepidium sativum), milho-miúdo (Panicum miliaceum), milho-painço (Setaria italica), trigo-sarraceno (Fagopyrum esculentum), variedades tremeses de trigo-mole (T. aestivum) e de centeio (Secale cereale), trigo-spelta (Triticum spelta) e trigo-túrgido (T. turgidum).


Avena strigosa (Poaceae) [foto C.Aguiar]


Desta lista, tanto quanto sei, sobrevivem a aveia-negra (Avena strigosa), cultivada nos solos mais pobres do planalto de Miranda, e o linho (Linum usitantissimum), pontualmente cultivado como uma curiosidade de outros tempo. Aqui e ali, na margem de caminhos ou como infestante em culturas de Primavera-Verão (e.g. milho-graúdo), vêem-se plantas de milho-miúdo (Panicum miliaceum) provenientes das misturas de sementes para pássaros.

Panicum miliaceum (Poaceae) [foto C.Aguiar]

Recordações da flora da Madeira

Aquela tarde morna e húmida de colheita e observação de plantas na mata Albergaria, há vinte anos atrás, citada no penúltimo post do Jorge, é um bom pretexto para vasculhar a memória em busca de mais recordações botânicas. Pois bem, há quanto tempo? seis? sete anos atrás? telefono ao Jorge Capelo para saber como estava a decorrer a primeira excursão exploratória da vegetação da Madeira de membros ALFA-Associação Lusitana de Fitossociologia. Do outro lado da linha recebo um brado excitado: “estou numa floresta Miocénica”! Sensação estanha esta de comunicar com o passado por telemóvel e cabo submarino! A imagem deixou-me empolgado e impaciente. Pela mão do Jorge, do Miguel Sequeira e do Roberto Jardim tive, no ano seguinte, a oportunidade de experimentar sensação de me abraçar a uma Ocotea e a uma Apollonias, de estremecer de surpresa ao deparar com o meu primeiro Isoplexis sceptrum ou quando vislumbrei ao longe, numa quebrada, esse excesso da natureza que só as ilhas nos podem oferecer: a Musschia wollastonii.

Isoplexis sceptrum (Plantaginaceae) [foto C.Aguiar]
A exceptionalidade da flora madeirense confirma-se também num sem número de arbustos como o Pericallis aurita, o Geranium palmatum ou as várias espécies de Argyranthemum, nos fetos que vivem na sombra das grandes árvores da laurisilva ou na original flora que povoa os dois extremos ecológicos da ilha: as montanhas mais altas ou as áreas litorais mais secas, da encosta sul.

Argyranthemum montanum (Asteraceae) [foto C. Aguiar]


Pericallis aurita (Asteraceae) [foto C. Aguiar]

Quem gosta de plantas compre quanto antes uma passagem para ilha da Madeira. Na mochila dois documentos obrigatórios: Press & Short, A Flora da Madeira, 1994 e J. Capelo et al., The vegetation of Madeira Island (Portugal), Quercetea 7, 2005. Depois, não esquecendo um impermeável, percorra demoradamente as levadas e muitos caminhos pedonais que cruzam a ilha. Para experimentar sensações botânicas extremas, sim, uma nova variante da biofilia, faça o caminho entre os Picos do Arieiro e o Pico Ruivo e acabe a excursão no Cabo Girão, não esquecendo uma visita à ponta de São Lourenço.
Deixo para o Jorge a explicação por que razão explorar a laurisilva madeirense é uma viagem no tempo de 20 milhões de anos. É ele quem sabe do assunto.

Quercus ilex vs. Quercus rotundifolia (Fagaceae)


Na foto, o ramo da esquerda é de Quercus rotundifolia Lam. e o da direita de Quercus ilex L. [foto de telemóvel: J. Capelo, 2009].

segunda-feira, 23 de março de 2009

Mata de Albergaria, Gerês




Mata de Albergaria, Gerês (foto: Ricardo Trindade, 2005, tirada deste site).

'E isto o que será? Que coisa do arco-da-velha!' - disse-me o Carlos. Nenhum dos dois sabia e tirámos do saco a Nova Flora de Portugal de J. A. Franco. Isto foi há quase vinte anos na Mata de Albergaria, no Gerês e a planta era Eryngium duriaei Gay ex Boiss. subsp. juresianum (M. Laínz) M. Laínz. (Assim á distância de vinte anos até me parece um bocado anedótico...). Estávamos na Mata de Albergaria,no Gerês: uma mata bem conservada e certamente análoga a um dos tipos possíveis de bosque pristino de Quercus robur, se ainda existir algum ; que é aliás, uma reserva integral. Por entre o sub-bosque de Vaccinium myrtillus, Dryopteris affinis, Hypericum androsaemum e muitas outras coisas, lá fomos subindo e fazendo os nossos inventários, enterrando-nos em musgo até aos joelhos e tropeçando em troncos caídos. Esta verdadeira joia da floresta espontânea nortenha tem sido muito estudada, sendo os primeiros inventários fitossociológicos publicados os do engenheiro silvicultor Renato Dantas Barreto, em 1958.

Como guardo com muito apreço estas memórias e pelo elevado valor de conservação que tem, saber que enquanto escrevo este post lavra um incêndio que ameaça a Mata traz-me o coração apertado.

sexta-feira, 20 de março de 2009

Sonchus fruticosus L. fil. (Asteraceae)



Sonchus fruticosus L. fil. (Madeira, Levada do Folhadal; foto: Sandra Mesquita, 2003)

Sonchus fruticosus L. fil. pertence a um grupo de táxones neo-endémicos da Ilha da Madeira.
É uma planta com um caule lenhoso esguio, pouco ramificado, atingindo 4 - 5 m de altura e com uma única roseta de folhas terminal. Diz-se um 'caulirosulado'. Na laurisilva da Madeira e Canárias existem vários caulirosulados. São exemplos, Muschia wollastonii (campanulaceae), Euphorbia longifolia (= E. meliferea, euphorbiaceae), Isoplexis sceptrum (scrophulariaceae), Melanoselinum decipiens (apiaceae) e outras. Constituem um tipo de vegetação florestal especial constituída por plantas adaptadas a solifluxões catastróficas (derrocadas, deslizamentos de terras) ou qualquer fenómeno que resulte numa interrupção do copado cerrado das árvores dominantes da laurisilva. Evoluiram recentemente (por isso são neo-endemismos) a partir de antepassados continentais herbáceos, geralmente a partir de um unico evento colonizador (uma semente?), seguido de um processo evolutivo muito rápido dando origem a várias espécies em distintos habitats (radiação adaptativa). Este fenómeno de evolução de um hábito lenhoso a partir de antepassados herbáceos é universal nas ilhas e chamou-se 'síndrome de hábito lenhoso insular' (island woodiness sindrome). Pensa-se que o mecanismo evolutivo esteve ligado à sobrevivência em ambiente florestal dominante na ilha, favorecendo descendência alta e lenhosa, que garantisse a persistência temporal de inflorescências grandes para as expôr a insectos polinizadores generalistas (o seu polinizador específico terá ficado para trás no continente, talvez). Assim, os caulirosulados como 'arvores improvisadas' adaptaram-se a um nicho florestal temporário onde não sofriam a competição das grandes árvores lauráceas (Ocotea, Laurus): as derrocadas. As levadas e leitos rochosos de ribeiras são emulações (a primeira artificial) do habitat das caulirosuladas e aí são muito frequentes.

Se serve este post para suscitar interesse acerca da vegetação da Ilha da Madeira, veja-se então aqui alguma informação mais completa. Sobretudo, logo o primeiro capítulo 'origem e evolução da flora da Madeira'.

quinta-feira, 19 de março de 2009

Ulmeiros e freixos

Os ulmeiros e freixos têm gomos florais e gomos foliares. No mês de Março, talvez mais cedo nas áreas mais quentes e litorais, os gomos florais, concentrados na base dos ramos do ano anterior, emitem grupos de flores polinizadas pelo vento. Cerca de quinze dias mais tarde são activados os gomos foliares, localizados na extremidade dos ramos formados no ano anterior. No interior de cada gomo folhear está abrigado um pequeno grupo de células com capacidade de produzir um novo caule com folhas, i.e. um ramo. Quando “deitam a folha” os ulmeiros têm os frutos quase maduros; nos freixos o ovário ainda não começou a inchar. Todos os freixos florescem abundantemente. Os ulmeiros, não.
Em Trás-os-Montes a maioria dos pequenos ulmeiros que ainda não foram aniquilados pela grafiose (uma doença fúngica mortal) não produzem sementes. Pontualmente, encontram-se grupos de indivíduos que se “desfazem” em semente. Este padrão adere à hipótese do ulmeiro ser um arqueófito, i.e. uma planta introduzida antes dos descobrimentos (por convenção antes de 1500 d.C.), provavelmente na proto-história (I milénio a.C.). O ulmeiro é propagado com estacas herbáceas no Verão ou por poulas (= chupões) radiculares no Outono-Inverno. Depois de instalado, com facilidade se dissemina por via vegetativa em torno das plantas-mãe. A dominância dos clones estéreis só se pode explicar pela acção do homem. Convém referir que num passado ainda recente as folhas dos ulmeiros eram fundamentais na alimentação dos animais domésticos, sobretudo dos porcos, no pino do estio.
Temos uma segunda espécie Ulmus em Portugal. O Ulmus glabra foi recentemente descoberto no norte do país. Esta espécie é certamente indígena (vd. P. Bingre et al., Guia de campo. As árvores e os arbustos de Portugal Continental, 2007). De norte a sul de Portugal encontramos uma única espécie de freixo, o F. angustifolia, embora nas plantações que por aí se fazem se vejam indivíduos de F. excelsior.


Ulmus glabra (Ulmaceae) [foto C. Aguiar]

A flor das angiospérmicas I

O ensino da flor no ensino básico e secundário, geralmente, resume-se a uma breve apresentação da flor dita completa, tendo como modelo a flor das Brassicáceas (e.g. couve) ou das Rosáceas (e.g. macieira ou do pessegueiro). A flor completa, trauteiam os alunos, tem cálice (conjunto das sépalas), corola (conjunto das pétalas), androceu (conjunto dos estames) e gineceu (conjunto dos carpelos).

Flor do nabo (Brassica napus, Brassicaceae) [foto C.Aguiar]

Na realidade a flor é um órgão vastamente mais diverso.
A.X. Pereira Coutinho nos seus muitos manuais de ensino da botânica – vd. o formidável Atlas de Botânica: para uso dos lyceus (I, II, III e IV classes) de 1898 – emprega, muita vezes, a flor do ulmeiro (Ulmus minor) e do freixo (Fraxinus angustifolia), como exemplos da flor incompleta. As flores do freixo são nuas (não têm perianto, i.e. nem pétalas, nem sépalas). A flor do ulmeiro apresenta um perianto simples, apenas com um tipo de peças periantais, arranjadas num único nó.


Fraxinus angustifolia (Oleaceae) «freixo» [foto C.Aguiar]


Ulmus minor (Ulmaceae) «ulmeiro, negrilho» [foto C.Aguiar]

quarta-feira, 18 de março de 2009

Tree of Life

Imagem de portada do site 'Tree of life' [http://tolweb.org/tree/]


Para quem ainda não conhece, o 'Tree of Life' é um projecto dirigido pelo entomologista David Maddison da Universidade do Arizona. Trata-se de uma compilação feita por taxonomistas evolucionistas profissionais e amadores, da informação filogenética global de todos os grupos de organismos vivos da Terra, numa única árvore. É possível percorrer a árvore, no caso das plantas, até ao nível da família. As relações de 'parentesco' são as mais consensuais obtidas a partir de estudos científicos recentes, mormente moleculares. A quem interessem árvores mais detalhadas assim como alguma coisa dos métodos usados, pode ver a base de dados 'TreeBase'.

A Tree of Life está longe de ser uma mera curiosidade. Neste momento construo uma 'super-árvore' filogenética para as plantas que ocorrem nos bosques perenifólios do Sul de Portugal, para tentar deslindar algo acerca dos processos ecológicos e evolutivos que levaram á sua génese e como irão reagir a alterações do clima. A base é a Tree of Life. Claro que tem de ser acrescentada com a maioria das espécies florestais portuguesas. Isto implica umas centenas largas de novas análises de DNA e muitos meses de computador. Espero que um equilíbrio entre a pulsão infantil da curiosidade, biofilia (e uma pitada de responsabilidade...) , conduza a alguma coisa de relevante. Nessa altura direi aqui qualquer coisa acerca do assunto.

terça-feira, 17 de março de 2009

Euphorbia L. (Euphorbiaceae)



Euphorbia pedroi Molero & Rovira em Sesimbra (J. Capelo, 2003)



Euphorbia piscatoria Aiton, na encosta Sul da Madeira (S. Mesquita, 2003)


O género Euphorbia L. é dos mais diversos e com maior número de espécies (cerca de 2160 espécies). Em Portugal, são notáveis as euphorbiae arbustivas lenhosas. No Continente, este grupo apenas está representado pela Euphorbia pedroi Molero & Rovira, que ocorre nas falésias expostas ao mar em Sesimbra, na Serra da Arrábida e Cabo Espichel. É um endemismo arrabidense afim de Euphorbia dendroides L., que não existe em Portugal, mas é muito abundante em todo a costa do mar Mediterrâneo. Euphorbia pedroi é dedicada ao botânico português, estudioso da flora e vegetação da Arrábida e de Moçambique, José Gomes Pedro (n. 1915). Na Ilha da Madeira, a Euphorbia piscatoria Ait. (figueira-do-inferno) é uma representante deste grupo de euphorbiae. São dominantes em vegetação termófila, xerofítica e desértica. As euphorbiae deste grupo ocorrem no Mediterrâneo, Madeira, Canárias e Cabo Verde, costa SW e E de África, Península Arábica, Mar Vermelho e até ao Deserto de Sind (Paquistão e Caxemira). É um elemento tropical e mediterrânico xérico ou desértico e tem sido designado por 'Rand Flora'. A terceira eufórbia portuguesa deste grupo é a Euphorbia anachoreta Svent. das Ilhas Selvagens.

segunda-feira, 16 de março de 2009

O "abominável mistério" de Darwin



http://historiablog.files.wordpress.com/2008/11/darwin1.jpg

Na literatura botânica, a descrição da origem da flor e, por conseguinte, a emergência das plantas com flor, é sistematicamente rematada com um taxativo “abominable mystery”, extraído de uma carta dirigida por Ch. Darwin ao seu amigo, e grande botânico victoriano, Sir Joseph Hooker. Regra geral, o "abominável mistério" de Darwin é metaforicamente utilizado para expressar as dificuldades que persistem na clarificação da história evolutiva das plantas com flor.
Num artigo recentemente publicado no Am. J. Botany, William E. Friedman esclarece o que Darwin pretendia com o “abominable mystery” da sua famosa carta a J. Hooker
. Ao que parece Darwin estava surpreendido, ou mesmo incomodado, com a fulgurante emergência das plantas com flor no registo fóssil cretácico. Tamanha rapidez indiciava que a evolução poderia desenrolar-se de forma saltacional, algo que não aderia à forma gradualista como Darwin entendia a dimensão tempo na evolução. Como dizia Darwin "natura non facit saltum", a natureza não dá saltos.

Ensino da morfologia de plantas em Portugal

A história recente em Portugal do estudo da forma das plantas, i.e. a morfologia botânica, foi condicionada pela publicação de dois documentos de grande erudição nas décadas de 60 e 70. Refiro-me concretamente a J.C. Vasconcelos, Noções sobre a Morfologia Externa das Plantas Superiores, 1969 e R. B. Fernandes, Glossário de termos botânicos, 1972. Estes dois trabalhos significaram um grande progresso na época mas, de algum modo, cristalizaram o ensino da forma das plantas a nível secundário e universitário. A morfologia botânica, porém, progrediu significativamente nos últimos 40 anos. Novos caminhos foram abertos; e.g. arquitectura de árvores, de plantas herbáceas e de inflorescências, conceito de potencial meristemático e sindromas de polinização e de dispersão. Numerosos artigos e livros seminais foram publicados sobre o tema, regra geral, sem grandes consequências nos curricula de biologia portugueses; e.g.: L. J. Hickey, Classification of the architecture of dicotyledonous leaves, 1972; F. Hallé et al., Tropical Trees and Forests: An Architectural Analysis, 1978; O. Weberling, Morphology of Flowers and Inflorescences, 1992. Não faltam, também, bons livros-texto; e.g. A. D. Bell, Plant Form, 2008.

Hoje em dia os caracteres moleculares são tão ou mais valorizados do que os caracteres morfológicos no estabelecimento de filogenias, na exploração de padrões filogeográficos ou na caracterização de taxa. No entanto, os caracteres moleculares são pouco práticos, ou insuficientes, na prática diária de muitas ciências (e.g. agronomia, silvicultura, ecologia vegetal e biologia da conservação de plantas). Por outro lado, sendo o fenótipo um produto directo da expressão génica a exploração das bases moleculares da vida vegetal não pode ser destacado do estudo da estrutura interna e interna das plantas. Também não há boa taxonomia, nem boa biologia evolucionária de plantas, sem bases sólidas de morfologia vegetal. Por fim, a morfologia vegetal é uma ciência insubstituível porque tem propriedades emergentes, i.e. a descida ao gene, percorrendo todos os níveis de complexidade intermédios (e.g. anatomia vegetal), não é suficiente para explicar a forma das plantas (vd. Donald R. Kaplan, The Science of Plant Morphology: Definition, History, and Role in Modern Biology, 2001).

A perda de importância e o anquilosamento do estudo da forma das plantas está correlacionado com a perda de importância da botânica, sobretudo da botânica sistemática, nos curricula de ensino liceal e universitário em Portugal. Esta tendência merecerá, a seu tempo, uma reflexão mais profunda.

quinta-feira, 12 de março de 2009

Co-evolução

Borboleta-das-couves (Pieris brassicae) numa couve doméstica (Brassica oleracea) [Fernando Oliveira, 2006]


É velha a discussão sobre a real existência de comunidades ecológicas. A co-ocorrência das plantas num mesmo biótopo poderia - num extremo - resultar apenas de selecção ambiental. Isto é, da coincidência de óptimos ecológicos numa mesma residência espacial (um biótopo). São os gleasonianos ou defensores dos modelos neutrais do nicho ecológico. Noutro extremo, estão aqueles que alegam existirem interacções bióticas e como tal, co-dependência funcional entre os indivíduos de distintas espécies compondo as comunidades. Como tal, a comunidade ecológica possuiria propriedades colectivas emergentes e não contidas nas suas partes. Por isso mesmo seria uma entidade com elevado grau de autonomia própria. São os clementesianos e os fitossociólogos em geral. Eu inclino-me a ser destes últimos, apesar de reconhecer que em comunidades espacialmente dispersas e efémeras, como as de herbáceas anuais, a selecção ambiental predominará. Um argumento em favor da segunda hipótese é o que ando a ruminar e tem que ver com a co-evolução. É certo que às comunidades actuais, as plantas terão chegado em instantes diferentes. No entanto, actualmente, os seus caracteres morfológicos, funcionais, fisiológicos e epi-genéticos adaptativos ás condições ambientais actuais (o habitat) são maioritariamente consistentes. Um exemplo são as comunidades mediterrânicas adaptadas à prolongada secura de Verão. Estas adaptações são duas: i) folhas rijas, espessas e coriáceas, rebentar de toiça, dispersão por vertebrados e crescer devagar; ou ii) folhas enroladas protegidas por pêlos ou ceras, produzir muitas sementes dispersas muitas vezes pelo vento, e ocupar o mais rapidamente possível o biótopo com o maior número de indivíduos (são pioneiras portanto).
A coincidência de plantas taxonomicamente tão distintas nestas duas 'soluções', pode ter duas origens: convergência evolutiva a partir de táxones ancestrais longínquos filogeneticamente ou alternativamente a filtragem de habitat de caracteres pré-existentes adaptativos à pressão de selecção (a mediterraneidade, no caso) e herdados dos antepassados. No primeiro caso existe uma grande diversidade filogenética e no segundo baixa diversidade filogenética (quase só ericáceas). Um carvalhal bem conservado é exemplo do primeiro caso e um urzal um exemplo do segundo. Da mesma maneira que a incrível forma da orquídea não faz sentido se não tivesse co-evoluído com o insecto polinizador que 'mimetiza', também aquilo que reconhecemos como uma dada espécie não o faz, sem a história de co-evolução no seio de uma comunidade. Só por isto, as comunidades são coisas com existência real, pois as espécies que a integram são fruto da sua própria co-existência. Os modelos que fazemos das comunidades ecológicas, só por si, seriam úteis para representarmos a vegetação, mas nada nos garantia que não se tratassem apenas disso mesmo - modelos, que são reificações, frutos da mente humana sem correspondência obrigatória na Natureza. No entanto, parece ser mais que isso: as espécies que estão nas comunidades, independentemente de quando os seus antepassados chegaram, são já outras e co-evoluiram aí mesmo. Há limites para o reducionismo e a co-evolução, neste caso, estabelece um deles.

quarta-feira, 11 de março de 2009

Ionopsidium acaule (Brassicaceae)


Ionopsidium acaule
(Desf.) Reich. na micro-reserva botânica da Peninha, Sintra (J. Capelo, 2006).
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Ionopsidium acaule
(Desf.) Reich. é uma pequena crucífera endémica de Portugal. Forma extensos tapetes no final do Inverno, sobre praticamente qualquer substrato, em áreas perto do mar. É uma planta protegida pela Convenção de Berna e Directiva Habitats, apesar de não ser particularmente rara ou ameaçada. É uma das duas espécies que existem em Portugal, deste género (ver um post mais antigo sobre I. abulense). Está em plena floração agora, é fácil de observar em arribas litorais, por exemplo. Os arrelvados onde ocorre ganham uma cor branca ou lilás. Existe como planta escapada de cultura na Califórnia.

terça-feira, 10 de março de 2009

Fynbos

Leucadendron sp. (De Hoop, África do Sul, Estevão Pereira, 2008). [clique para aumentar].


Fynbos
é a palavra em afrikaans que designa o 'mato' e em geral, toda a vegetação não-florestal. (Pronuncia-se 'fáinboche'). Trata-se de vegetação predominantemente arbustiva, adaptada a um regime de incêndios recorrentes, em períodos curtos e que ocorre, sob clima mediterrânico, apenas na região do Cabo Ocidental, na Républica da Africa do Sul. Tem tal originalidade florística que contêm várias famílias de plantas endémicas e por isso, por si só, esta área relativamente pequena é um dos cinco reinos florísticos da Terra: o Reino Capense ou apenas Capensis. São exemplos as Bruniáceas, as Restionáceas, a larga maioria dos géneros de Proteáceas e cerca de seiscentas espécies do género Erica L. Especialmente no caso do fynbos sobre calcários, a semelhança fisionómica com a vegetação da Arrábida ou do Barrocal do Algarve é muito grande. No meio do fynbos, um botânico português sente-se em casa. Tem de ter no bolso, pelo menos um guia de campo para começar a ter uma ideia da flora. A nossa familiaridade com o fynbos é maior do que seria de esperar: a larga maioria das Iridáceas, Liliáceas e Amarilidáceas ornamentais que usamos em vasos e jardins são plantas do fynbos que florescem abundantemente após os incêndios. As fotos foram recolhidas nas Reservas de Jonker Shoek (Hottentot Holland, Stellenbosch - Património Mundial da UNESCO) e De Hoop (Overberg). Pode ver fotos de plantas do fynbos compiladas aqui por amadores.


Fynbos na Reserva Natural de De Hoop (J. Capelo, 2008). Para além das Proteae as plantas com aspecto de junco são restios (Restionaceae, uma família endémica do Cabo). Alguns géneros desta família, com plantas de maior porte, são usads para fazer os telhados de colmo das casas tradicionais, entre os colonos brancos afrikaner. [clique para aumentar].

quinta-feira, 5 de março de 2009

Alongamentos simpodial e monopodial

A arquitectura do corpo vegetativo das plantas é um dos assuntos mais fascinantes da botânica moderna. Com um pouco de treino facilmente se aprende a distinguir algumas espécies de plantas pelo aspecto, pela silhueta, enfim, por alguma coisa que nem sempre percebemos o que é. Quer isto dizer que a forma das plantas, embora flexível, tem um real controlo genético. Este controlo porcessa-se a vários níveis. Um dos nívies mais relevantes tem a ver com o alongamento e a ramificação.
Para já gostaria de chamar a atenção para um aspecto que passa facilmente desapercebido e que se resume a duas questões simples: como se alongam? e por onde se alongam os ramos das árvores e dos arbustos?
Todas as plantas vasculares alongam-se por gemas - i.e. um conjunto de células com capacidade de se multiplicarem protegidas por folhas de vários tipos - estrategicamente localizadas no ápice ou na imediata vizinhança do ápice dos ramos. Se o alongamento se faz por uma gema apical os caules dizem-se monopodiais. Se, pelo contrário, o alongamento é garantido por uma gema axilar, i.e. localizada na axila de uma folha, o caule diz-se simpodial.
Pois bem, a maior parte das árvores temperadas e mediterrânicas apresentam um alongamento de tipo simpodial. Se observarem, com cuidado, a extremidade dos ramos de um castanheiro (vd. imagem), de uma tília, dos ulmeiros, dos salgueiros, dos plátanos ou de um castanheiro-da-índia, verificarão que o gomo apical abortou, ou deu origem a uma inflorescência, e que o alongamento dutrante a estação de crescimento se faz pelo gomo axilar mais distal (do nó localizado abaixo do gomo apical). O mesmo acontece nos Quercus (e.g. carvalhos, sobreiro e azinheira) embora na extremidade dos seus ramos se forme uma densa coroa de gomos de difícil interpretação.
A adopção de um sistema de alongamento simpodial através do abortamento do gomo apical terá sido uma forma "evolutivamente simples e rápida" de muitas árvores desenvolverem copas alargadas. Esta condição é, muito provavelmente, vantajosa nas florestas temperadas e mediterrânicas, frente às primitivas copas em flecha que ainda hoje caracterizam muitas gimnospérmicas.
A morte determinada de células ou de partes do corpo é muito comum nos processos de desenvolvimento, tanto em plantas como em animais (e.g. apoptose de células animais embrionárias) (vd. F. Hallé, In Praise of Plants, 2002). A evolução em vez de "modificar" células, tecidos ou orgãos, muitas vezes, limita-se a "aniquilá-los".



Neste ramo do ano de castanheiro, de baixo para cima, observam-se 3 gomos axilares localizados imediatamente acima das respectivas cicatrizes foliares, e 1 gomo axilar, secundariamente em posição apical, rodeado por uma cicatriz foliar (à esquerda) e uma cicatriz resultante do abortamento do gomo apical (à direita). Nota bene: os gomos apicais nunca são axilados por uma folha ou pela sua cicatriz.

domingo, 1 de março de 2009

Crocus carpetanus (Iridaceae) e Narcissus asturiensis (Amaryllidaceae)

E agora duas das bulbosas que marcam o final do Inverno nas serranias nordestinas: Crocus carpetanus (Iridaceae) e Narcissus asturiensis (Amaryllidaceae).

Crocus carpetanus (Iridaceae)



Narcissus asturiensis (Amaryllidaceae)