domingo, 31 de janeiro de 2010

O maneio dos lameiros no Res Rustica de Columella (4-70 d.C.)

Roma deixou-nos três grandes tratados de agronomia: o De Res Rustica, ou De Agri Cultura, do zelador dos bons costumes Marco Pórcio Catão (Marcus Porcius Cato) (234-149 a.C.); o Rerum Rusticarum do polímata de Pompeu o Grande, Marco Terêncio Varrão (Marcus Terentius Varro) (116-27 a.C.); e o Res Rustica do bético, cidadão de Cádiz, (Lucius Junius Moderatus) Columella (4-70 d.C.).
Recentemente foi publicada uma tradução comentada em espanhol do De Agri Cultura, infelizmente centrada no direito romano (vd. aqui). Existe uma tradução comentada portuguesa do livro de Varrão da autoria de Moisés Amzalak, publicada em 1953. O Columella está disponível em inglês aqui; com algum esforço encontrarão na net um pdf com a versão latina e a tradução inglesa em paralelo.

Nos alfarrabistas aparece de vez em quando uma tradução das Georgicas de Vergílio comentada pelo Prof. Ruy Mayer, professor de hidráulica no Instituto Superior de Agronomia, publicada pela Sá da Costa, em 1949. Dizem os exegetas que Vergílio foi beber grande parte do saber agronómico ao Rerum Rusticarum de Varrão, e que erra quando resolve seguir o seu próprio caminho. Neste post interessa-me apenas chamar a atenção que para além da substância agronómica do texto vergiliano, os comentários do Prof. Ruy Mayer são do maior interesse porque fazem um relato comparado, rico de erudição e pormenor, entre a agricultura romana e a agricultura orgânica praticada no sul do país, antes da generalização das máquinas agrícolas e dos fertilizantes de síntese. Ninguém deveria terminar um curso de agronomia ser ler Columella e a tradução das Geórgicas do Prof. Ruy Mayer! Ninguém deveria cursar agronomia sem um disciplina consistente de história da agricultura!

Espero voltar muitas vezes aos textos destes sábios. Por ora comento uma bonita passagem sobre lameiros do livro de Columella (II, 17, tradução da versão inglesa de H. B. Ash, 1941): "O cuidado dos lameiros é, no entanto, mais uma questão de cuidado do que de esforço. Em primeiro lugar não devemos deixar que arbustos ou espinheiros ou infestantes vigorosas permaneçam neles, antes do Inverno e durante o Outono haverá que desenraizá-los ..."
Para cuidar de um lameiro, diz-nos então Columella, não basta fenar (cortar, secar e remover a erva), e compor cuidadosamente muros e agueiras. O controlo manual de infestantes é uma tarefa indispensável, a ser realizada durante o período de interrupção do crescimento das ervas pratenses.

Aqui, no NE de Portugal, as infestantes herbáceas que mais estragos causam nos lameiros podem ser organizadas em dois grupos: herbáceas higrófilas, provenientes de ecossistemas ripícolas (que marginam os cursos de água; e.g.
Mentha suaveolens); herbáceas meso-higrófilas, com um óptimo ecológico nos carvalhais climácicos, ou nas suas orlas (e.g. Brachypodium rupestre).
Uma gestão descuidada da flora dos lameiros durante o período de repouso vegetativo pode ter estas consequências:

Lameiro invadido por Mentha suaveolens (Lamiaceae) a partir de uma linha de água (não visível à direita da fotografia)


Invasão de lameiros por Brachypodium rupestre (Poaceae) a partir de orlas florestais. N.b. invasão em mancha de óleo por via vegetativa (o B. rupestre produz rizomas que se espraiam em todas as direcções)


Planta e espiguetas de Brachypodium rupestre (Poaceae). Os herbívoros evitam esta espécie porque as suas folhas são cortantes e ricas em sílica. Um lameiro invadido por B. rupestre não serve para feno ou para pasto e só poderá ser recuperado com uma mobilização do solo, de preferência sucedida pela ressementeira do prado.

sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

Anacardium occidentale (Anacardiaceae) «cajueiro»

O Miguel Porto ofereceu-nos num comentário recente um extraordinário excerto do Sertões de Euclides da Cunha. Tamanha é a graça e a substância do texto que não resisto em transcrevê-lo, fazendo-o acompanhar de imagens do Anacardium occidentale, um parente chegado do dulcérrimo Anacardium humile, o cajuzinho-do-cerrado citado por Euclides da Cunha.

«Vêem-se numerosos aglomerados em capões ou salpintando, isolados, as macegas, arbúsculos de pouco mais de metro de alto, de largas folhas espessas e luzidias, exuberando floração ridente em meio da desolação geral. São os cajueiros anões, os típicos anacardia humilis das chapadas áridas, os cajuís dos indígenas. Estes vegetais estranhos, quando ablaqueados em roda, mostram raízes que se entranham a surpreendente profundura. Não há desenraizá-los. O eixo descendente aumenta-lhes maior à medida que se escava. Por fim se nota que ele vai repartindo-se em divisões dicotômicas. Progride pela terra dentro até a um caule único e vigoroso, embaixo.
Não são raízes, são galhos. E os pequeninos arbúsculos, esparsos, ou repontando em tufos, abrangendo às vezes largas áreas, uma árvore única e enorme, inteiramente soterrada.
Espancado pelas canículas, fustigado dos sóis, roído dos enxurros, torturado pelos ventos, o vegetal parece derrear-se aos embates desses elementos antagônicos e abr
oquelar-se daquele modo, invisível, no solo sobre que alevanta apenas os mais altos renovos da fronde majestosa.»



Flores de Anacardium occidentale (Anacardiaceae) «cajueiro». O centro de origem desta espécie situa-se no NE Brasileiro; no Brasil o cajueiro além de ser cultivado para a produção de fruto, é muito frequente como árvore de arruamento

Frutos de Anacardium occidentale (Anacardiaceae) «cajueiro». N.b. no género Anacardium o pecíolo do fruto, a "maçã-do-caju", é carnudo e doce; o fruto (inc. semente) é reniforme e conhecido por castanha; o conteúdo da castanha em verde corrói a pele, não façam como eu que por ignorância trinquei uma e queimei metade do lábio inferior; a semente processada de A. occidentale é a apreciada castanha-de-caju; a tecnologia da castanha-de-caju envolve a extracção do pecíolo carnudo (muito usado em sumos), a secagem ao ar, a torrefacção ou cozedura sob pressão, e a descasca do fruto (reduzido a uma tona não comestível) [fotos CA]

quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

Taxus baccata (Taxaceae)















Querendo também comemorar devidamente o 1º aniversário deste blog notável, aqui ficam duas imagens (uma delas proveniente da Serra do Caramulo, na Beira Alta, concelho de Tondela, em local granítico) de uma árvore tão curiosa como rara em Portugal: o teixo, Taxus baccata L. (Taxaceae, Pinopsida).
Esta árvore invulgar encontra-se presente em diversos nomes portugueses como Teixeira e Teixoso, assim como em antigas lendas e práticas religiosas tradicionais, tendo sido utilizada para a confecção de arcos, entre muitos outros usos, como se pode consultar por exemplo aqui.

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

"Das plantas e das pessoas", primeiro aniversário

O "Das plantas e das pessoas" faz hoje um ano, e cento e setenta e cinco posts.
Para comemorar: girândolas de flores de Paepalanthus (Eriocaulaceae) ...


Paepalanthus sp. (Eriocaulaceae), um exemplo formidável de uma família de plantas com flor de óptimo tropical, não representada na flora indígena da Europa. N.b. a foto foi tirada na variante "campo-húmido" do Cerrado de Goiás, durante a estação seca; a planta é perene e mostra sinais de crescimento secundário, uma propriedade rara nas monocotiledóneas; na extremidade distal do caule (ao centro) identifica-se um ramo estéril do ano, que na próxima estação de crescimento dará origem a novos ramos rematados por umbelas de capítulos de flores [Parque Estadual da Serra dos Pireneus, Goiás, Brasil, foto CA]


Ainda há muita história natural para contar! Apareçam de vez em quando, e metam conversa.

domingo, 24 de janeiro de 2010

Sobre a forma das árvores I

Observem esta fotografia:



O que é? Um castanheiro? Um castanheiro com sub-castanheiros? Castanheiros jovens com um pé (tronco) e uma raíz comum? Uma árvore-floresta? Um arbusto pediculado?

Para interpretar a imagem é fundamental entender como as árvores crescem e constroem a sua copa.
Comecemos pelo princípio.

As plantas são seres modulares, constituídos pela repetição de unidades multicelulares discretas, de grande autonomia (semi-autónomos), genericamente designadas por módulos, Por outras palavras. As plantas assemelham-se a uma construção de LEGO, realizada com um reduzido número de tipos de peças (as ditas unidades discretas), a mais evidente constituída por um nó, com uma ou mais folhas e respectivas gemas axilares, e um entrenó (porção de caule sem folhas).
A semi-autonomia das partes explica por que razão uma gramínea pode ser pastada por um mamífero herbívoro, ou uma pernada de uma árvore eliminada pela poda, sem por em causa o funcionamento do todo. Olhem-se ao espelho. A bilateralidade e a integração funcional das partes que constituem o nosso corpo - um coração não funciona sem pulmões, e por aí adiante - abriram caminho à evolução da locomoção terrestre ou de extraordinárias capacidades cognitivas, em contrapartida fizeram de nós criaturas frágeis de curto ciclo de vida.
Nas plantas, os módulos, repetem-se no espaço, organizando-se em formas cada vez mais complexas. Por exemplo, o módulo que acabei de descrever repete-se formando raminhos, os raminhos, por sua vez, organizam-se em estruturas cada vez maiores e mais complexas, culminando numa canópia (a parte aérea de uma planta, que na árvores toma o nome de copa).



Este crescimento é caótico, ou obedece a regras?
Tema para retomar um destes dias.
[fotos CA]

sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

Cuscuta epithymum (Convolvulaceae)
















Hoje vamos mostrar outro dos mais belos parasitos da flora de Portugal, a Cuscuta epithymum (L.) L. (= Cuscuta europaea L. var. epithymum L. [basiónimo]), que é conhecida pelos curiosos nomes vernáculos "cabelos", "cúscuta", "enleios", "linho de cuco" e "linho de raposa"!
Esta erva anual tão interessante pode ser considerada um pequeno "vampiro vegetal", pois vive e alimenta-se de diversos hospedeiros como os tojos, os tomilhos e muitas outras espécies, ocorrendo sobretudo em matos, de cariz mediterrânico ou temperado.

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

Musgos murícolas urbanos (Bryaceae, Grimmiaceae, Pottiaceae)
















Apesar da minha profunda ignorância em assuntos briológicos (e talvez também por isso mesmo), apresento hoje aqui quatro fotos de comunidades muscinais murícolas obtidas hoje.
Ao contrário do que acontece com as plantas vasculares, Janeiro parece ser um mês favorável para os musgos!
Em relação aos musgos encontrados, aventuro-me a sugerir que poderão estar presentes a Tortula muralis (Pottiaceae) -um nome muito apropriado-, uma Grimmia (Grimmiaceae), quem sabe se pulvinata (o aspecto almofadado também estaria de acordo), e provavelmente ainda uma ou duas espécies de Bryum (Bryaceae), que suponho que também ficariam bem em cima de um muro...
Quem sabe, pode ser que passe por aqui algum briólogo e possa ajudar a esclarecer a identidade destes briófitos, que penso estarem entre as plantas mais interessantes da nossa flora, embora sejam igualmente das menos conhecidas...

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

Tanacetum mucronulatum (plantas esquecidas..?)

Preocupam-me algumas plantas, que me parece que estão um bocado esquecidas. O distinto Tanacetum mucronulatum é uma delas:

Tanacetum mucronulatum [Foto: MPorto]

Tanacetum mucronulatum [Foto: MPorto]

A informação que se encontra sobre esta planta é mínima. Parece que é um endemismo ibérico, ou talvez um "quasi-endemismo" português, já que no Proyecto Anthos nos aparecem somente dois (!!) registos desta planta em Espanha.
Só o conheço na região norte de Lisboa (que deverá ser o seu limite sul de distribuição), onde aparece pontualmente em vários locais; parecendo preferir orlas de bosques (de carvalho-cerquinho - Quercus faginea subsp. broteroi) e carrascais (Q. coccifera); mas também taludes mais ou menos resguardados, sempre no meio de vegetação arbustiva. O seu aspecto é até um bocado estranho, não estamos habituados a ver flores tão exuberantes e protuberantes a emergir das moitas de carrasco. Sempre em colónias de poucos indivíduos, distantes umas das outras. É uma planta que tem algo a nos dizer... porque não aparece mais? Orlas de carrascais e bosques não faltam por aqui, e a dispersão pelo vento (anemocoria) não deve ser difícil para esta espécie. Porquê em grupos pequenos e isolados? Há alguma explicação para haver nesta sebe de carrasco um grupo de 5 indivíduos e, nas outras sebes a toda a volta, nenhum? Claro que estas perguntas se podem aplicar a tantas outras espécies...
Desconheço como será a distribuição e abundância desta planta pelo norte do país, mas, para mim, esta espécie merece ser olhada com mais atenção e mais falada! Olhando aqui para o sul, não hesitaria muito em chamá-la de "rara"...

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Rosa micrantha (Rosaceae)

Num post recente (clicar aqui) apresentei uma curiosa hipótese sobre a cor dos frutos de Outono. Para decorar o texto postei um fruto negro; ficou por mostrar um fruto vermelho. Aqui está um exemplo:


Rosa micrantha (Rosaceae)

A R. micrantha é uma das roseiras-bravas mais frequente e de mais fácil identificação em Portugal. Reúne os seguintes caracteres diagnóstico: pedicelos do fruto (ou da flor) revestidos por glândulas providas de um pequeno pé (glândulas pediculadas) (ver imagem); presença abundante de glândulas acastanhadas sésseis (sem pé) na página inferior, que tornam as folhas rugosas ao tacto, e quando esmagadas libertam um intenso odor a maçã.

sábado, 16 de janeiro de 2010

Vegetação Natural Potencial de Portugal Continental

O grande fitossociólogo alemão R. Tüxen (1953) definiu do seguinte modo Vegetação Natural Potencial (VNP): um estado natural imaginário da vegetação ... que poderá ser projectado para o tempo actual ..., se a influência humana na vegetação fosse removida ... e a vegetação natural fosse imaginada como movendo para um novo equilíbrio numa fracção de segundo ... de modo a excluir os efeitos das alterações climáticas e as suas consequências”.
Por trocados ...
Imaginem que todas as pessoas abandonavam a vossa terra, e a vegetação podia evoluir livre da influência do Homem. Suponham ainda que a progressão do coberto vegetal ocorria suficientemente depressa de modo a que o clima mantivesse características semelhantes às actuais. A comunidade vegetal de maior complexidade estrutural - i.e. com maior número de estratos vegetais, e.g. estratos herbáceo, arbustivo e arbóreo - que culminaria esse processo de sucessão ecológica designa-se por Vegetação Natural Potencial (VNP).
Embora a identificação da VNP não seja fácil, e alguns aspectos teóricos do conceito sejam discutíveis, a verdade é que o conceito de VNP é insubstituível e tem uma inegável utilidade prática.

Uma equipa de fitossociólogos (especialistas em vegetação) portugueses liderada pelo Dr. Jorge Capelo (Estação Florestal Nacional)
publicou, recentemente, uma carta da VNP de Portugal Continental (Lu):



Carta da VNP de Lu (Capelo et al., Phytocoenologia, 37, 399-415, 2007). A resolução do mapa é propositadamente baixa e a legenda foi retirada (copyright oblige !)


Algumas das conclusões, muitíssimo breves, que se podem tirar da análise da referida carta:
  • A VNP em Lu é geralmente arbórea e dominada por uma ou mais espécies de árvores do género Quercus (Fagaceae), ainda que por vezes acompanhadas por Juniperus oxycedrus (Cupressaceae) «zimbro» nos vales mais secos, por Betula celtiberica (Betulaceae) «bidoeiro» nas montanhas, ou por Fraxinus angustifolia (Oleaceae) «freixo» nos solos mais férteis e espessos, por exemplo;
  • A Betula celtiberica (Betulaceae) «bidoeiro» é dominante nos bosques das áreas hiper-húmidas das Serras do Gerês, Peneda e Estrela;
  • Nos solos mais húmidos que o normal (e.g. fundos de vale) o estrato arbóreo dos bosques potenciais é constituído por Alnus glutinosa (Betulaceae) «amieiro», Fraxinus angustifolia (Oleaceae) «freixo» e/ou Salix sp.pl. (Salicaceae) (várias espécies de salgueiros);
  • A Olea europaea var. sylvestris (Oleaceae) «azambujeiro», acompanhada ou não pela Ceratonia siliqua (Fabaceae) «alfarrobeira», substitui os Quercus nos solos muito argilosos (barros ou solos vérticos) do sul do país (e.g. barros derivados de basaltos e rochas afins, de Lisboa e Beja);
  • A VNP tem um porte (fisionomia) arbustivo em "habitats especiais", como sejam o andar orotemperado da Serra da Estrela (grosso modo acima dos 1750 m de altitude), as escarpas interiores mais declivosas (e.g. encostas do troço final do Guadiana), as linhas de água permanentes de maior torrencialidade, as escapas litorais, as dunas secundária e terciária, e algumas comunidades de sapal.

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

Linaria triornithophora (Plantaginaceae)















Vamos hoje apresentar duas fotos (a forma triornithophora (típica) e a forma albiflora Pinto da Silva) da belíssima Linaria triornithophora (L.) Cav., a "erva dos três passarinhos", assim conhecida por aparentar ser portadora de 3 ou 4 (ou mais) passarinhos - as suas extraordinárias flores personadas e longamente esporoadas. Nas suas corolas bastante fechadas podem penetrar insectos, que se presume poderem desempenhar uma útil função polinizadora.
Esta espécie costuma encontrar-se em orlas florestais e de matos: aliança Linarion triornithophorae Rivas-Martínez, T.E. Díaz, F. Prieto, Loidi & Penas 1984, pertencente à ordem Origanetalia vulgaris Th. Müll. 1962 e à classe Trifolio-Geranietea Th. Müll. 1962.
Trata-se de um endemismo exclusivo da Península Ibérica.

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

Monotropa hypopitys (Ericaceae)














Hoje vamos mostrar uma foto da bem conhecida Monotropa hypopitys L. sensu lato (Ericaceae) que, como sabemos, não é muito comum em Portugal. Esta curiosa planta saprófita já tem sido incluída em outras famílias como Monotropaceae e Pyrolaceae, mas parece haver actualmente um certo consenso em colocá-la no seio das Ericáceas.
Considera-se habitualmente que a sua posição fitossociológica preferencial se enquadra na classe de vegetação florestal Vaccinio-Piceetea Braun-Blanq. in Braun-Blanq., G.Sissingh & Vlieger 1939 (a.k.a. Vaccinio myrtilli-Piceetea abietis Braun-Blanq. in Braun-Blanq., G.Sissingh & Vlieger 1939) que, como se sabe, é dominada por Coníferas.
Não temos a certeza se esta classe de vegetação florestal estará presente em Portugal, mas possuímos abundantes florestas de Coníferas em solos ácidos (pinhais de Pinus pinaster Aiton) à sombra das quais se pode, por vezes, encontrar a bela Monotropa hypopitys.
Esta foto foi obtida em Junho de 2007, na Beira Alta, num pinhal húmido e fresco, pois chovera recentemente.

terça-feira, 12 de janeiro de 2010

O fogo e a paisagem

Num post anterior falei da relação entre as montanhas e o fogo e comentei o paradoxo de apesar das plantas dos matos mediterrânicos terem desenvolvido funcionalidades que as ajudam a propagar os incêndios, esse factor não aumenta a frequência dos mesmos. A técnica da queimada não tem as mesmas vantagens nestas áreas e por isso não é usada para renovar pastos. Queimar os matos significa queimar também as pequenas árvores que lá se encontram no meio, e em épocas mais antigas isso significava abdicar de um bem precioso, o combustível. Esse conhecimento foi obtido da pior maneira, através de séculos e séculos de más práticas, muitas vezes fomentadas pelos governantes, numa tentativa de “domesticar” este território e que levaram ao desenvolvimento do “slash-and-burn” na Península Ibérica. E essa domesticação teve como consequência a diminuição do fundo de fertilidade dos solos e o desaparecimento da maioria das florestas contínuas. Contudo, a lenta morte anunciada do pastoreio extensivo e o abandono agrícola do interior podem trazer a maior mudança paisagística sofrida na Península Ibérica dos últimos 500 anos. A questão é saber se essa mudança é positiva ou se vai levar a alterações em termos de uso de solo com consequências bem piores.

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

As montanhas e o fogo

Depois de ver um mapa com a distribuição dos incêndios florestais em Portugal Continental, fiquei admirado com a incidência de fogos nas zonas montanhosas do norte de Portugal, em comparação com algumas zonas da Terra Quente e da Terra Fria, onde praticamente não existiam ocorrências. E se olharmos para o tipo de plantas que ocorrem nos matos e matagais das áreas de menor altitude de Trás-os-Montes, a surpresa ainda é maior. Estevas, rosmaninhos, alecrins, tomilhos são arbustos que desenvolveram funcionalidades para aumentar a sua combustibilidade, tal como os óleos aromáticos que produzem em grande quantidade, uma estratégia destinada a promover o fogo e deste modo, manter uma paisagem aberta adequada ao seu desenvolvimento. Contudo algumas das zonas onde estas plantas mais abundam são das que menos ardem. Nas zonas montanhosas, pelo contrário, dominam as “lignotuber”, plantas arbustivas com uma capacidade de regeneração muito grande como as urzes, carquejas e tojos. A acumulação de reservas na raiz permite que se desenvolvam muito rapidamente após um incêndio, dependendo claro da intensidade do mesmo. Se a maioria das plantas das zonas montanhosas atlânticas não possuísse essa estratégia, as nossas paisagens de montanha teriam provavelmente um aspecto muito diferente.

domingo, 10 de janeiro de 2010

Ligustrum vulgare (Oleaceae)

Uma foto outonal de Ligustrum vulgare (Oleaceae), uma das poucas oleáceas indígenas de Portugal Continental (6 espécies), no nosso país quase exclusiva do NE transmontano.


Frutos carnudos (drupas) de Ligustrum vulgare (Oleaceae). Esta planta é relativamente frequente em orlas arbustivas espinhosas altas, acompanhada por outros arbustos espinhosos como sejam as Rosa sp.pl. (Rosaceae) «rosas», os Rubus sp.pl. (Rosaceae) «silvas», os Prunus sp.pl. (Rosaceae) «abrunheiros» e o Crataegus mongyna (Rosaceae) «pilriteiro». N.b. "sp.pl." é uma forma abreviada de dizer "várias espécies"; em alternativa pode usar-se a abreviatura "spp."

Alguns autores defendem que os frutos carnudos de maturação estival (Verão) são geralmente vermelhos ou laranja, para sobressairem no meio da folhagem verde. Os frutos carnudos de Outono seriam, pelo contrário, tendencialmente negros, para as aves dispersoras não os confundirem com a folhagem senescente (de cores avermelhadas). Claro que há muitas excepções.

sábado, 9 de janeiro de 2010

Prados-juncais do Estuário do Rio Cávado III

No último post (ver aqui) mostrei que a terrestrialização da vegetação de sapal - i.e. a substituição da vegetação semiterrestre característica dos sapais (e.g. prados-juncais e outras comunidades de sapal) por vegetação terrestre (matos e bosques) - facilita a penetração de um neófito (planta introduzida em datas posteriores a 1500 d.C.) invasor, a Acacia longifolia (Fabaceae).
Porém, serão os mouchões com prado-juncal imunes às plantas invasoras?
Infelizmente não!


Stenotaphrum secundatum (Poaceae) a invadir um prado-juncal a partir da margem de um  esteiro (canal).

Os prados-juncais do Estuário do Rio Cávados estão a ser invadidos por uma gramínea proveniente das áreas tropicais e subtropicais dos EUA e Caraíbas: o Stenotaphrum secundatum (Poaceae).


Tufo de Stenotaphrum secundatum (Poaceae)

Esta espécie é muito usada em relvados em toda a franja litoral e sublitoral de Portugal Continental. Como os sapais temperados são um habitat semelhante ao habitat nativo do S. secundatum, a invasão era expectável.


Estolhos de Stenotaphrum secundatum (Poaceae)

Aparentemente, o S. secundatum segue um padrão de invasão comum com muitas outras gramíneas clonais (que se reproduzem vegetativamente, neste caso por estolhos e rizomas). Primeiro instala-se em sítios perturbados, como sejam a margem dos esteiros, ou solos removidos ou decapados (vd. imagem anterior). Depois, produz estolhos que se insinuam nos tufos de Festuca rubra subsp. littoralis, acabando por a subsitituir, e degradar o habitat de espécies de elevado valor conservacionista como a Armeria maritima (Plumbaginaceae).
Além do S. secundatum, os estuários temperados portugueses estão a ser devassados pelo Paspalum vaginatum (Poaceae), pela Spartina versicolor (Poaceae), pela Cotula coronopifolia (Asteraceae) e pelo Aster squamatus (Asteraceae), entre outras plantas. Vinda do norte (Galiza e país Basco) aproxima-se uma terrível ameaça, a Baccharis halimifolia (Asteraceae), mais uma invasora proveniente dos EUA.
A monitorização da flora dos nossos estuários é urgente!

sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

Salix retusa (Salicaceae)














Voltando à flora alpina, fica hoje aqui uma imagem do pequeno salgueiro anão Salix retusa L. (Salicaceae), acompanhado por uma Silene, que pensamos tratar-se da Silene acaulis (L.) Jacq.
= Cucubalus acaulis L. (Caryophyllaceae), também conhecida por «moss campion».
Este belo salgueiro costuma encontrar-se em sítios elevados (neste caso sobre dolomites) com vegetação quionófila da classe Salicetea herbaceae Braun-Blanq. 1948. Mais concretamente, pensamos que esta comunidade se poderá incluir na aliança Arabidion caeruleae Braun-Blanq. in Braun-Blanq. & H.Jenny 1926, pertencente à ordem Arabidetalia caeruleae Rübel ex Nordh. 1936, que inclui comunidades neutro-basófilas conforme se pode ver aqui.

quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Cytinus ruber (Cytinaceae)















Depois de já aqui terem aparecido os belíssimos parasitos Cynomorium coccineum L. (Cynomoriaceae) e Cytinus hypocistis (L.) L. subsp. macranthus Wettst. (Cytinaceae, antigamente incluído nas Rafflesiaceae), é hoje a vez do não menos espectacular Cytinus ruber (Fourr.) Komarov, espécie de distribuição mediterrânica, que se pode encontrar no Barrocal algarvio (e não só), em matos baixos dominados por Cistáceas como Cistus albidus L., pertencentes à «associação araceno-pacense, algárvica e arrabidense, termomediterrânica, seca a sub-húmida» designada como Phlomido purpureae-Cistetum albidi Rivas-Martínez, Lousã, Díaz, Fernandez-González & J.C. Costa 1990, que se desenvolve sobre «substratos erosionados neutro-alcalinos de calcários duros descarbonatados, metavulcanitos e outras rochas siliciosas básicas», conforme se pode consultar aqui e aqui.
Esta foto foi obtida no Cerro da Bemposta (concelho de Faro), no início de Abril de 2003.

domingo, 3 de janeiro de 2010

Prados-juncais do Estuário do Rio Cávado II

Os estuários são habitats complexos, geomorfologicamente muito dinâmicos. Basta observar uma sequência de fotografias aéreas de diferentes idades para nos apercebermos que as pequenas "ilhas" sedimentares que compõem os estuários - os mouchões - minguam, expandem-se, coalescem e desagregam-se ao longo do tempo.


Mouchões no Estuário do Rio Cávado

O aumento da cota da superfície do solo num mouchão afasta a toalha freática da superfície e diminui o risco de submersão na preia-mar. No Estuário do Cávado, e nos demais estuários temperados nacionais, este processo conduz à substituição dos prados-juncais por matos de Ulex europaeus subsp. latebracteatus (Fabaceae) «tojo-arnal».


Mouchão com prado-juncal encimado por tojal de Ulex europaeus subsp. latebracteatus (Fabaceae) «tojo-arnal» (arbusto-baixo, em floração, na esquerda e ao centro da foto), parcialmente colonizado por Acacia longifolia (Fabaceae) «acácia-de-espigas» (arbusto-alto mais abundante na metade direita da foto). Na margem do esteiro (canal) observa-se um juncal de Juncus acutus (Juncaceae).

Num estádio mais avançado da sucessão ecológica, nos biótopos mais abrigados do vento, é possivel que estes tojais coexistissem com um pinhal de Pinus pinaster (Pinaceae) «pinheiro-bravo», uma árvore sem dúvida indígena em grande parte da orla costeira ocidental de Portugal continental. ...


Ulex europaeus subsp. latebracteatus «tojo-arnal» (lado direito da foto) e Cytisus multiflorus (Fabaceae) «giesta-branca» (à esquerda da foto) em flor. N.b. regeneração natural de Pinus pinaster «pinheiro-bravo»

... Infelizmente esta dinâmica foi coarctada pela chegada de uma temível invasora de origem australiana, a Acacia longifolia (Fabaceae) «acácia-de-espigas».


Acacia longifolia (Fabaceae) «acácia-de-espigas» preste a florir. N.b. espigas de flores inseridas nas axilas dos filódios (folhas reduzidas a pecíolos espalmados que desempenham a função do limbo foliar) de ramos do ano anterior

[Fotos CA, 1-I-2010]

sábado, 2 de janeiro de 2010

Prados-juncais do Estuário do Rio Cávado I

O Estuário do Rio Cávado (Concelho de Esposende) no dia 1 de Janeiro de 2010:


Os prados-juncais de Juncus acutus (Juncaceae) e Festuca rubra subsp. littoralis (Poaceae) dominam a vegetação do sapal deste estuário, e de todos os sapais dos estuários temperados de Portugal Continental. Para saber mais clicar sobre estes Habitats Natura 2000 clicar aqui [1130 Estuários], e aqui [1330 Prados salgados atlânticos (Glauco-Puccinellietalia maritimae]).


Prado-juncal no Estuário do Rio Cávado. N.b. manto de Festuca rubra subsp. littoralis (Poaceae) e, um pouco mais atrás, tufos de Juncus acutus (Juncaceae); num passado recente acumulava-se menos biomassa de Festuca porque estes prados eram intensamente pastoreados por vacas.

A Armeria maritima (Plumbaginaceae) encontra o seu óptimo ecológico nos prados-juncais. Algumas plantas desta espécie estão já em flor:




A Primavera aproxima-se ;-)

sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

Biarum arundanum (Araceae) e Trachynia distachya (Poaceae)














Para assinalar o Novo Ano 2010, começando com uma noite de Lua Cheia, apresentamos aqui uma curiosa foto obtida em Maio de 2008 no CW calc. (pr. Porto de Mós).
Trata-se da rara Arácea Biarum arundanum Boiss. & Reut., incluída num prado terofítico dominado por Trachynia distachya (L.) Link (Poaceae ou Gramineae), provavelmente pertencente à ordem Brachypodietalia distachyi Rivas-Martínez 1978, da classe Tuberarietea guttatae Br.-Bl. in Br.-Bl., Roussine & Nègre 1952 em. Rivas-Martínez 1978.
Neste prado anual também se encontram presentes alguns musgos (Bryophyta) cuja identificação não podemos precisar.